Publicado no Jornal do Comercio em 25/08/2014
Poucos anos atrás, tentava-se impedir o acesso e uso
como moradia das pontes da Avenida Ipiranga. Já, nestes dias, noticia-se a
instalação de grades e estruturas em prédios particulares visando à proteção de
seus habitantes contra os chamados moradores de rua. Os motivos que nos levam a
evitar essas pessoas não são subjetivos, tampouco irrelevantes. De fato, em
face da pobreza desses moradores de rua, pode haver mau cheiro e acúmulo de sujeira
onde se estabelecem. Somado ao crescente medo que nos provoca a violência e a insegurança
urbana, parecem estar justificadas as ações de segregação que, ao alcance de
nossa mão, nos oferecem um alívio imediato.
Ao ler tais notícias, recordo o pensador francês
Anatole France que, no início do século passado, em inflamado discurso contra a
decisão do fechamento das pontes de Paris aos moradores de rua disse com ironia
que “a lei, na sua majestosa igualdade, proíbe ao rico e ao pobre de furtarem
pão e dormirem debaixo da ponte, e permite a ambos que se hospedem no Hotel
Ritz”. Para alcançar a igualdade de direitos, é fundamental promover o
tratamento desigual no tocante às oportunidades que devem ser oferecidas a cada
um. Em contraposição ao ato de evitar e se proteger dos moradores de rua, vale
a pena refletir sobre as possibilidades de inclusão dessas pessoas, que são as
mais vulneráveis das vulneráveis, desprovidas de tudo, situadas no subsolo da
escala de pobreza.
Sabe-se que muitos estão conjunturalmente nas ruas,
mas há uma significativa parcela desses moradores que opta definitivamente
pelas ruas, mesmo rejeitados e repelidos. Em Porto Alegre, cerca de 50% dos
moradores de rua vivem nessa condição a mais de 20 anos, sendo que 30% vivem na
rua desde que nasceram.
Assim, em face do alcance limitado das ações de inclusão, deve ser pensada uma
cidade mais inclusiva.
Nesse
contexto, as grades antimorador de rua, ou quaisquer outros ofendículos, não
parecem fazer parte da solução maior. Apenas nos remetem à mensagem centenária de
Anatole France, e nos estimulam a pensar se aos moradores de rua não deveria
ser garantido pelo menos o direito às ruas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário