Se eu não morresse nunca ! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas. (Cesário Verde 1855-1887)







sábado, 5 de março de 2016

UMA FESTA MUITO LOUCA




— Como é que esses idiotas se dizem especialistas em índios, se não são índios? Epa! Junto àquela parede eu vi uma bunda peluda engatinhando. Quê loucura esta festa!


Eu mal conseguia perceber o que se passava naquela sala grande e escura, com um sofá enorme quase encostado numa das paredes — mas suficientemente afastado —, decerto para quem quisesse assistir e participar da mesa redonda dos indianistas. Eles discutiam a organização da sociedade indígena, e, pelo que entendi, o maior embate era entre um cara de cabelo raspado e gravatinha borboleta que defendia o “fato social do costume”, e um barbudo, dando ares de líder estudantil, com mãos agitadas coçando sempre a barba, quase gritando — mas era o jeito mesmo dele falar — que explicava os indígenas como um “processo psicológico primitivo”. Sentei no sofá, levantei a mão para perguntar algo, mas não me deram bola. Com a cabeça ziguezagueando, bradei: — Que merda de processo psicológico é esse? — Mas os debatedores nem me olharam. Escutei um psiu! vindo detrás do sofá que eu estava. Me virei como pude para ver o que era, e, apesar de toda a escuridão, percebi uns quatro vultos pelados, uns sobre os outros, todos enozados de um jeito que não imaginava ser possível. — Desculpe!, disse, e voltei a sentar. Foi quando vi uma bunda peluda passar engatinhando junto à parede da minha esquerda. Observando melhor, vi que eram duas bundas, andando de quatro, uma querendo pegar a outra, e, chegando ao final do trajeto davam meia volta e trocavam as posições de quem pegava quem. Esfreguei forte as mãos nos olhos e pensei de novo, — que festa muito louca! Atrás de mim, seguia um pega-me-solta ao som de gemidos, e volta e meia uma perna aparecia sobre o sofá e quase me acertava.

Decidi sair daquela sala, mas estava difícil, sem ter onde me apoiar. Fui engatinhando em direção à porta, e, embora me chamassem para participar da festinha atrás do sofá, segui em frente. Lá fora estava mais claro — mas não muito —, e havia bastante gente, com rostos esfumaçados, muitos sentados pelos cantos e os que se movimentavam preferiam engatinhar, como eu.

Também sentei, com as mãos na cabeça, pois quase não a controlava mais. Um cara a meu lado ofereceu seu baseado para uma puxadinha, e não recusei. À nossa frente havia uma placa indicativa de outro ambiente, e se via fumaça saindo por baixo da porta. Eu li “suruba”, e comentei com o companheiro do baseado — Ali deve estar interessante! —. E ele, muito mais lúcido, explicou que era “Surubar”, um bar ambientado no Japão, onde serviam uma bebida —Suru — fermentada a partir de casca de arroz vermelho, depois de um prévio cozimento com mizuna, verdura conhecida por mostarda japonesa. Era bastante alcoólico o tal de Suru, muito apreciado pela turma da sociologia que estudava a influência da imigração japonesa e — dizem — um acompanhamento perfeito para o tofu. Vestidos a caráter, com terno, gravata, cabelo escovinha e máquina fotográfica, esses caras estavam bebendo todas, enquanto acendiam um cigarro no outro, fumando como doidos — para criar um clima de Surubar, diziam —. Com todas essas explicações desisti de entrar, não era suruba, que loucura de festa!

Essa é a parte menos louca daquela festa de 1969. Eu era estudante de engenharia e fui convidado por uma conhecida da filô — decerto queria me pegar — dizendo que fariam uma festa muito louca junto com a arquitetura naquele sábado 16/08, concomitante a um evento próximo à Nova Iorque, chamado Woodstock.
Soube que eles festejavam com frequência, sempre haveria uma motivação. Eu só fui àquela, e achei tudo muito louco! Sobre a sala dos indianistas, fiquei sabendo depois que o ambiente se chamava “atrás do sofá”, e não tinha nada além daquele sofá que escondia possibilidades mil. A reunião dos indianistas, e aquelas bundas se perseguindo o tempo todo, eram projeções de filmes na parede. Quê loucura aquela festa!

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