— Como é que esses idiotas se dizem especialistas em índios, se não são índios? Epa! Junto àquela parede eu vi uma bunda peluda engatinhando. Quê loucura esta festa!
Eu mal conseguia perceber o que
se passava naquela sala grande e escura, com um sofá enorme quase encostado
numa das paredes — mas suficientemente afastado —, decerto para quem quisesse
assistir e participar da mesa redonda dos indianistas. Eles discutiam a
organização da sociedade indígena, e, pelo que entendi, o maior embate era
entre um cara de cabelo raspado e gravatinha borboleta que defendia o “fato
social do costume”, e um barbudo, dando ares de líder estudantil, com mãos
agitadas coçando sempre a barba, quase gritando — mas era o jeito mesmo dele
falar — que explicava os indígenas como um “processo psicológico primitivo”.
Sentei no sofá, levantei a mão para perguntar algo, mas não me deram bola. Com
a cabeça ziguezagueando, bradei: — Que merda de
processo psicológico é esse? — Mas os debatedores nem me olharam. Escutei um
psiu! vindo detrás do sofá que eu estava. Me virei como pude para ver o que
era, e, apesar de toda a escuridão, percebi uns quatro vultos pelados, uns
sobre os outros, todos enozados de um jeito que não imaginava ser possível. —
Desculpe!, disse, e voltei a sentar. Foi quando vi uma bunda peluda passar
engatinhando junto à parede da minha esquerda. Observando melhor, vi que eram duas
bundas, andando de quatro, uma querendo pegar a outra, e, chegando ao final do
trajeto davam meia volta e trocavam as posições de quem pegava quem. Esfreguei
forte as mãos nos olhos e pensei de novo, — que festa muito louca! Atrás de
mim, seguia um pega-me-solta ao som de gemidos, e volta e meia uma perna
aparecia sobre o sofá e quase me acertava.
Decidi sair daquela sala, mas
estava difícil, sem ter onde me apoiar. Fui engatinhando em direção à porta, e,
embora me chamassem para participar da festinha atrás do sofá, segui em frente.
Lá fora estava mais claro — mas não muito —, e havia bastante gente, com rostos
esfumaçados, muitos sentados pelos cantos e os que se movimentavam preferiam
engatinhar, como eu.
Também sentei, com as mãos na
cabeça, pois quase não a controlava mais. Um cara a meu lado ofereceu seu
baseado para uma puxadinha, e não recusei. À nossa frente havia uma placa
indicativa de outro ambiente, e se via fumaça saindo por baixo da porta. Eu li
“suruba”, e comentei com o companheiro do baseado — Ali deve estar
interessante! —. E ele, muito mais lúcido, explicou que era “Surubar”, um bar
ambientado no Japão, onde serviam uma bebida —Suru — fermentada a partir de
casca de arroz vermelho, depois de um prévio cozimento com mizuna, verdura
conhecida por mostarda japonesa. Era bastante alcoólico o tal de Suru, muito
apreciado pela turma da sociologia que estudava a influência da imigração
japonesa e — dizem — um acompanhamento perfeito para o tofu. Vestidos a caráter,
com terno, gravata, cabelo escovinha e máquina fotográfica, esses caras estavam
bebendo todas, enquanto acendiam um cigarro no outro, fumando como doidos —
para criar um clima de Surubar, diziam —. Com todas essas explicações desisti
de entrar, não era suruba, que loucura de festa!
Soube que eles festejavam com
frequência, sempre haveria uma motivação. Eu só fui àquela, e achei tudo muito
louco! Sobre a sala dos indianistas, fiquei sabendo depois que o ambiente se
chamava “atrás do sofá”, e não tinha nada além daquele sofá que escondia
possibilidades mil. A reunião dos indianistas, e aquelas bundas se perseguindo
o tempo todo, eram projeções de filmes na parede. Quê loucura aquela festa!
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