Se eu não morresse nunca ! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas. (Cesário Verde 1855-1887)







quarta-feira, 6 de abril de 2016

NÃO VAI TER GOLPE !



          

             Não só eu, mas todo mundo se virou para ver quem era o cara que gritou aquilo. Eu reparei que algumas pessoas até sorriram, mas a maioria não! Mesmo as que sorriram, tinham cara de espanto.


            Ficou um silêncio do cão — pelo menos durante um tempo. Eu não saberia dizer quanto durou aquele silêncio, pois parecia que o mundo tinha parado, então como saber?
            Aproveitei para observar o jeitão do sujeito que gritara forte, era forte mesmo, não tanto gordo, mas tinha um tórax imenso. E era barbudo! Com camiseta vermelha e calças jeans, bem desbotadas, não parecia do nosso grupo.
            Do meu lado, um cara bem vestido, barbinha aparada, cabelo fixado com gel, discretamente perfumado, disse: — Só me faltava essa!
            Como não o conhecia, não entendi, e fiquei pensando o que mais tinha acontecido e eu tinha perdido, se só faltava essa. Se falava de si próprio, duvido, pois tinha jeito de quem não lhe faltava nada. Espichei o olho por trás dele, e vi que estava muito bem acompanhado. É difícil observar assim de perto, prefiro muito mais caminhando na praia, com óculos escuros, mas assim, assim, tem que disfarçar muito. Se a ele eu já achei que não faltava nada, muito menos a ela faltaria, pois tinha tudo no lugar, como deve ser, um pouco mais para mais do que para menos. A vantagem de olhar pela lateral é que já se tem uma boa ideia da dianteira e da traseira. Conclui que a esses dois não faltava nada mesmo, e ainda se tinham um ao outro, e retornei o olhar ao intruso, bem na hora que ele gritou novamente: — Não vai ter golpe!
            Aí eu vi que ele não estava só, tinha mais dois brucutus que correram cada um por um lado, enquanto ele gritava ordens: — Prendam esse cara! Ele é um golpista de marca maior!
            Então, a coisa quase desandou. Se alguém ainda estava sentado, levantou para não perder os próximos lances. E também já não havia silêncio, para só ouvir, sem ver.
            Lá na frente, o padre — festivamente paramentado — estava com uma cara de tacho, branquelo como a alva que vestia por baixo da casula, pois se via pelas aberturas laterais. Agora eu sei o nome dessas roupas porque me contaram depois do ocorrido, mas eu explico assim: a alva é um tipo de batina branca que se põe por baixo de tudo — menos das cuecas e essas coisas — e a casula é como um poncho branco, enfeitado, aberto dos lados, que se põe por cima da alva em ocasiões mais festivas.
            Tirando o padre, que continuou parado, só o noivo — chamado de golpista — não se mexeu, pois a noiva se enervou um pouco, e os pais e padrinhos se afastaram tanto quanto dava sem cair do altar.
O barbudo que interrompera o casório já tinha se aproximado do grupo, e, se dirigindo aos presentes disse que o noivo queria dar o golpe do baú. Não tinha provas cabais, mas, todos indícios levavam à essa conclusão. O patrimônio dos pais da filha única, o pouco tempo dele na cidade, o sotaque da capital, o carro importado para impressionar, e o dizer-se empresário. Não tinha como não ser golpe.
A noiva, que a tudo assistia, tomou a palavra e falou alto, dizendo não acreditar em golpe. Que o noivo já dera prova de seu caráter e respeito. Que — inclusive — nunca tentara nada.
Não sei porque, eu olhei para aquela gostosura ao lado do meu vizinho de banco, e imaginei coisas que não vou dizer aqui.
Então, o noivo quis esclarecer mais um bocadinho, dizendo que era trabalhador, empresário, gostava muito da moça, fora recebido como filho, a cidade era simpática. Nesse ponto, os presentes começaram a aplaudir, trocando orgulhosos sorrisos entre si — nunca havia visto coisa assim. O padre já recuperara a cor e sorria, com esperança que as coisas se consertassem. E quando as palmas arrefeceram, o noivo explicou que também achava cedo para casar, mas queria honrar sua amada.
As pessoas se olharam, imaginando o significado daquela honra, e o pai, com o constrangimento típico das pessoas mais puras frente a essa situação, perguntou: — Então vocês já ... —, mas interrompido pela filha com ares de ofendida, dizendo: — Não, papai! Imagina! É que entramos juntos na piscina pequena e algo me dizia que era perigoso. Sou muito fértil, mamãe sabe. Acho que engravidei, por isso apressamos o casamento.
O delegado, com sua barba desalinhada, camiseta vermelha e jeans desbotados, pediu desculpas a todos e foi embora, meneando a cabeça com uma expressão marota.
O casamento continuou com festa e consumação. O noivo era mesmo empresário e correto, e, a gravidez da moça não criou barriga.
Afinal, ficamos sem saber quem dera o golpe em quem, mas isso já não importava, pois viveram felizes para sempre.

Um comentário:

  1. Até se pode dizer que o conto foi rápido, pelo número de "gambetas"que nos dá em pouco tempo: primeiro se pensa que é sobre a atual situação política. Depois, se entende que é um casamento, e o suposto desordeiro vira o delegado. Depois, o grand finale: a menina é que era a grande golpista! Muito bom! Mesmo! Parabéns de novo!

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