Não
só eu, mas todo mundo se virou para ver quem era o cara que gritou aquilo. Eu
reparei que algumas pessoas até sorriram, mas a maioria não! Mesmo as que
sorriram, tinham cara de espanto.
Ficou um silêncio do cão — pelo
menos durante um tempo. Eu não saberia dizer quanto durou aquele silêncio, pois
parecia que o mundo tinha parado, então como saber?
Aproveitei para observar o jeitão do
sujeito que gritara forte, era forte mesmo, não tanto gordo, mas tinha um tórax
imenso. E era barbudo! Com camiseta vermelha e calças jeans, bem desbotadas,
não parecia do nosso grupo.
Do meu lado, um cara bem vestido,
barbinha aparada, cabelo fixado com gel, discretamente perfumado, disse: — Só
me faltava essa!
Como não o conhecia, não entendi, e
fiquei pensando o que mais tinha acontecido e eu tinha perdido, se só faltava
essa. Se falava de si próprio, duvido, pois tinha jeito de quem não lhe faltava
nada. Espichei o olho por trás dele, e vi que estava muito bem acompanhado. É
difícil observar assim de perto, prefiro muito mais caminhando na praia, com
óculos escuros, mas assim, assim, tem que disfarçar muito. Se a ele eu já achei
que não faltava nada, muito menos a ela faltaria, pois tinha tudo no lugar, como
deve ser, um pouco mais para mais do que para menos. A vantagem de olhar pela
lateral é que já se tem uma boa ideia da dianteira e da traseira. Conclui que a
esses dois não faltava nada mesmo, e ainda se tinham um ao outro, e retornei o
olhar ao intruso, bem na hora que ele gritou novamente: — Não vai ter golpe!
Aí eu vi que ele não estava só,
tinha mais dois brucutus que correram cada um por um lado, enquanto ele gritava
ordens: — Prendam esse cara! Ele é um golpista de marca maior!
Então, a coisa quase desandou. Se
alguém ainda estava sentado, levantou para não perder os próximos lances. E
também já não havia silêncio, para só ouvir, sem ver.
Lá na frente, o padre — festivamente
paramentado — estava com uma cara de tacho, branquelo como a alva que vestia por
baixo da casula, pois se via pelas aberturas laterais. Agora eu sei o nome
dessas roupas porque me contaram depois do ocorrido, mas eu explico assim: a
alva é um tipo de batina branca que se põe por baixo de tudo — menos das cuecas
e essas coisas — e a casula é como um poncho branco, enfeitado, aberto dos
lados, que se põe por cima da alva em ocasiões mais festivas.
Tirando o padre, que continuou
parado, só o noivo — chamado de golpista — não se mexeu, pois a noiva se
enervou um pouco, e os pais e padrinhos se afastaram tanto quanto dava sem cair
do altar.
O barbudo que interrompera o casório
já tinha se aproximado do grupo, e, se dirigindo aos presentes disse que o
noivo queria dar o golpe do baú. Não tinha provas cabais, mas, todos indícios
levavam à essa conclusão. O patrimônio dos pais da filha única, o pouco tempo
dele na cidade, o sotaque da capital, o carro importado para impressionar, e o
dizer-se empresário. Não tinha como não ser golpe.
A noiva, que a tudo assistia, tomou a
palavra e falou alto, dizendo não acreditar em golpe. Que o noivo já dera prova
de seu caráter e respeito. Que — inclusive — nunca tentara nada.
Não sei porque, eu olhei para aquela
gostosura ao lado do meu vizinho de banco, e imaginei coisas que não vou dizer
aqui.
Então, o noivo quis esclarecer mais um
bocadinho, dizendo que era trabalhador, empresário, gostava muito da moça, fora
recebido como filho, a cidade era simpática. Nesse ponto, os presentes começaram
a aplaudir, trocando orgulhosos sorrisos entre si — nunca havia visto coisa
assim. O padre já recuperara a cor e sorria, com esperança que as coisas se
consertassem. E quando as palmas arrefeceram, o noivo explicou que também
achava cedo para casar, mas queria honrar sua amada.
As pessoas se olharam, imaginando o
significado daquela honra, e o pai, com o constrangimento típico das pessoas
mais puras frente a essa situação, perguntou: — Então vocês já ... —, mas
interrompido pela filha com ares de ofendida, dizendo: — Não, papai! Imagina! É
que entramos juntos na piscina pequena e algo me dizia que era perigoso. Sou
muito fértil, mamãe sabe. Acho que engravidei, por isso apressamos o casamento.
O delegado, com sua barba desalinhada,
camiseta vermelha e jeans desbotados, pediu desculpas a todos e foi embora, meneando a cabeça com uma expressão
marota.
O casamento continuou com festa e consumação.
O noivo era mesmo empresário e correto, e, a gravidez da moça não criou
barriga.
Afinal, ficamos sem saber quem dera o golpe
em quem, mas isso já não importava, pois viveram felizes para sempre.
Até se pode dizer que o conto foi rápido, pelo número de "gambetas"que nos dá em pouco tempo: primeiro se pensa que é sobre a atual situação política. Depois, se entende que é um casamento, e o suposto desordeiro vira o delegado. Depois, o grand finale: a menina é que era a grande golpista! Muito bom! Mesmo! Parabéns de novo!
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