Se eu não morresse nunca ! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas. (Cesário Verde 1855-1887)







quinta-feira, 7 de abril de 2016

UM PASSEIO PARA NÃO ESQUECER






Olha só o que me aconteceu ontem à noite. Eu tinha relatado em meu blog uma história que se passou lá em Bagé, parece que na década de 90. Meu único interesse era o registro histórico, talvez contar sobre o golpe do baú e da barriga, para que os jovens saibam sobre essas coisas. Só isso. E também postei, no Face, um link para o texto.

Mas depois que postei — e eu já estava meio desconfiado antes mesmo — achei que eu tinha me atrapalhado, pois as pessoas estavam entendendo coisas que eu não escrevi. Eu sei que depois que a gente escreve, o texto é do leitor, mas não estava muito legal.

Primeiro, achei estranho a quantidade de curtidas e comentários, no Face. Nunca tinha me ocorrido isso. Pensei até que havia postado foto de gatinhos, ou cachorrinhos, essas coisas que são super curtidas. E também recebi um monte de mensagens — aquelas inbox, acho que é assim que se escreve inbox — de gente dizendo que preferia não ler sobre o assunto do título, e que eu me preservasse. Sinceramente, não entendi nada.

As onze e tanto da noite fui deitar, pois o assunto estava me cansando — tinha algum significado que eu não conseguia captar —, e o vinho que tomei também me mandava para a cama.

Mas aí é que veio o pior. 
 .
Lá pelas tantas, meu celular tocou na sala e — como um sonâmbulo — fui lá atender. Prefixo 61, número desconhecido. — Alô! — eu disse. E o cara do outro lado da linha, com voz de locutor, pediu confirmação de meu nome, endereço, CPF. Eu não respondi tudo e perguntei quem é que estava falando. Ele não me ouviu e continuou. Perguntou educadamente se eu poderia ir à Brasília, e que em meu e-mail estava o bilhete do voo com localizador, e que o assunto era de interesse da Presidência.

Eu pensei: — Que besteira fiz? — e fui aos e-mails. Lá estava o tal bilhete do voo da GOL que sairia as seis e pouco da manhã com retorno as cinco e tanto da tarde. Pelo menos, voos diretos. Olhei o relógio, eram quatro e quinze da madrugada, mas se eu ia mesmo à Brasília, nem voltaria para a cama. Dormiria depois no avião.

Para encurtar a história: eu fui. No aeroporto tinha um motorista com uma placa com o meu nome. Me dei conta que estávamos de roupa igual, até a gravata. Pensei: — E se ele achar que eu vim para assumir o seu lugar? —. Mas não! O cara era legal.
Eu nunca tinha estado em Brasília, somente uma vez fiz uma conexão no aeroporto, em trânsito para Porto de Galinhas, lá sim é que é bom.

Fomos direto ao Palácio do Planalto, me esperavam outros dois engravatados. Disseram que tinham gostado muito da postagem NÃO VAI TER GOLPE. Eu vi que tinha confusão na área, e perguntei se tinham lido até o final. Não, só leram o título e o primeiro parágrafo. Não têm tempo, e se tivessem, nem conseguiriam entender textos com mais de 140 caracteres. Pensei: — Estou enrascado, entenderam tudo errado! —. Vi que, em torno de nós, uma senhora dava voltas de bicicleta, acompanhada por dois seguranças. E sorria para mim, mostrando os simpáticos dentinhos.

Eles perguntaram: — De que lado o senhor está? — Olhei o saguão, a porta de vidro enorme, e, sem entender muito bem a pergunta disse que agora estava do lado de dentro, mas que tinha vindo lá de fora. E apontei para a rua. Acho que não entenderam, pois se olharam com cara de patetas, e insistiram: — Sim, mas o senhor está do nosso lado? — . Que conversa de loucos, pensei, mas insisti em falar a verdade, respondi que não, pois estava no meio deles, então eles é que estavam do meu lado.

Já um pouco desacomodados — todos nós — perguntaram o que eu fazia. Notei que a senhora da bicicleta já não estava mais lá, e lembrei do coelho de Alice, “é tarde, é tarde, é tarde até que arde. Ai, ai, meu Deus! Alô, adeus! É tarde, é tarde, é tarde!”. Disse a eles que estava meio confuso com tudo aquilo, que aceitara o convite de ir à Brasília porque fora acordado abruptamente no meio da noite e não pensara direito. Que trabalhava, tinha família bem constituída, pagava os impostos quase todos, e que também frequentava um curso livre para escritores, na Metamorfose Cursos. E que tinha escrito aquele texto por influência do curso.

Pediram licença e se retiraram por uns quinze minutos. Voltaram sorrindo e amáveis, dizendo que só agora leram minha história toda, gostaram muito, e a Presidenta também. Mandara lembranças, tinha me achado muito simpático e afirmara que não ia ter golpe, mesmo! E que enviasse a ela meus textos.

Chamaram o motorista que me trouxera do aeroporto, e instruíram que me mostrasse o Palácio, o Senado e a Câmara, que almoçássemos no restaurante dos congressistas, e que depois desse um giro pela cidade — sem esquecer o lago —, antes de me devolver ao aeroporto. Eu aceitei com gosto, mas antes tirei meu relógio e protegi bem minha carteira, pois ouvi falar que em Brasília não se usa andar com valores.

Agradeci aos patetas pela experiência, e fiquei mais à vontade com o motorista, eu teria mais assunto com ele do que com aquele caras. Quando o passeio estava ficando interessante, ouvi um barulho estridente ao meu lado.
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Droga! Sentia cansaço, meu sono fora muito agitado, e já era hora de acordar de novo! Mesmo sem lembrar dos sonhos que tivera, decidi nunca mais postar no Face coisas daquelas, que falassem em golpe, ou impichamento de quem quer que seja.

Bem que uns amigos tinham comentado, eu estava me expondo demais.




(Esta é uma texto de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos e situações da vida real, ou sentimentos pessoais, terá sido mera coincidência.)

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