Se eu não morresse nunca ! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas. (Cesário Verde 1855-1887)







quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ALTERAÇÃO DE QUADRO




Antes de atender o telefone fixo tocando alto, olhei para o relógio de parede, exatamente sete horas. Sexta-feira, sete horas da manhã.

Interrompi o café e atravessei a sala já sabendo o que seria.

— Alô!

— Bom dia! Aqui é do Hospital Ernesto Dorneles, gostaria de falar com o Senhor Miguel Zabalea.

— Pode falar, sou eu mesmo.

— Senhor Miguel, sua mãe teve uma alteração de quadro e pedimos sua presença.

Alteração de quadro, exatamente as sete da manhã? Minha mãe se foi, eu sabia.

— Ok, obrigado. Em quinze minutos estarei aí.

Eu já estava vestido, faltavam os sapatos. Voltei à bancada da cozinha, continuei o café. Pela janela da sala eu olhava longe. Minha mãe em vários momentos; quando era forte, quando estava fraca, a mãe muda conosco. Um dia ela disse que não queria ser cremada, acho que falou “queimada”. Relacionava com uma nova vida, reencarnação talvez. Eu deveria ligar para meus irmãos. E colocar os sapatos, também.

Estava há cinco dias internada. No domingo teve um AVC, não sei se dos piores ou menos piores. O quadro era grave, a saúde já estava frágil, eu disse ao médico que minorasse o sofrimento, que minha mãe tivesse conforto na hora da morte. Talvez não tivesse tido na vida, pelo menos o conforto que desejava. Essa parte eu não falei, só pensei. Nada que fosse inútil, nem tubos, nem medidas extremas ou façanhas médicas, nada disso. Às vezes eu penso que nosso maior desejo em vida é ter uma morte tranquila. Esse é o grande entrave para a felicidade.

Liguei para meu irmão mais velho, morava em Pelotas, que ficasse de sobre aviso. Se necessário, falaria com os outros, depois, já no hospital.

O trânsito estava tranquilo, eu não tinha pressa. Minha mãe nunca dirigiu. Tentou uma vez. Na primeira saída sem o instrutor da autoescola, bateu o Opala num poste. Era domingo de manhã, eu estava junto, não consegui negar seu pedido que a acompanhasse.

Tinha uma saúde já fraca, acho que já disse: muitos medicamentos, sempre em médicos para aplacar a solidão, exames, um ciclo. Não estava totalmente desligada, mas já a algumas semanas dizia que não estava em casa. Que a tínhamos levado para outra casa, não sei o que imaginava, se uma casa geriátrica ou outro tipo de casa. Eu não dava corda nem contestava, mas chamava atenção para seus móveis, seus quadros, fotos. Após examinar o ambiente por algum tempo, ela dizia: tudo igual, vocês trouxeram tudo, e sorria agradecida. Não reclamava da nova casa.

Morava na Cristiano Fischer. Teve um sábado, conversávamos sobre coisas passadas, pedia que me contasse isso e aquilo sobre seu tempo, a levei até a janela de seu quarto. Embaixo, a Cristiano Fischer. Ela olhou, curiosa ou espantada, sei lá, trânsito nas duas pistas, em frente o salão de beleza que muito frequentou. Eu pensei “e agora Da. Gladys?”.

Se virou, me olhava absolutamente admirada e lascou “Eu não entendo! Até a Cristiano vocês trouxeram!”

Já estou chegando na garagem, se concluíssem essa garagem o Hospital iria arrecadar mais.

Oitavo andar, o corredor longo nos prepara para a UTI. E se ela tiver reagido? As velhinhas as vezes surpreendem.  Tocar a campainha e esperar.

Vem um rapaz, me identifico. Ele pede que eu espere uns minutos. A enfermeira-chefe do novo turno já virá me atender.

Num pequeno ambiente de espera, eu sento, sete e quarenta e cinco no celular. Deveria ligar para todos irmãos?

Alguém se aproxima, abre a porta. Deve ser a enfermeira-chefe.

— Sr. Miguel?

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