Antes de atender o telefone fixo tocando alto, olhei para o
relógio de parede, exatamente sete horas. Sexta-feira, sete horas da manhã.
Interrompi o café e atravessei a sala já sabendo o que seria.
— Alô!
— Bom dia! Aqui é do Hospital Ernesto Dorneles, gostaria de
falar com o Senhor Miguel Zabalea.
— Senhor Miguel, sua mãe teve uma alteração de quadro e
pedimos sua presença.
Alteração de quadro, exatamente as sete da manhã? Minha mãe
se foi, eu sabia.
— Ok, obrigado. Em quinze minutos estarei aí.
Eu já estava vestido, faltavam os sapatos. Voltei à bancada
da cozinha, continuei o café. Pela janela da sala eu olhava longe. Minha mãe em
vários momentos; quando era forte, quando estava fraca, a mãe muda conosco. Um
dia ela disse que não queria ser cremada, acho que falou “queimada”.
Relacionava com uma nova vida, reencarnação talvez. Eu deveria ligar para meus
irmãos. E colocar os sapatos, também.
Estava há cinco dias internada. No domingo teve um AVC, não
sei se dos piores ou menos piores. O quadro era grave, a saúde já estava frágil,
eu disse ao médico que minorasse o sofrimento, que minha mãe tivesse conforto na
hora da morte. Talvez não tivesse tido na vida, pelo menos o conforto que
desejava. Essa parte eu não falei, só pensei. Nada que fosse inútil, nem tubos,
nem medidas extremas ou façanhas médicas, nada disso. Às vezes eu penso que
nosso maior desejo em vida é ter uma morte tranquila. Esse é o grande entrave
para a felicidade.
Liguei para meu irmão mais velho, morava em Pelotas, que
ficasse de sobre aviso. Se necessário, falaria com os outros, depois, já no
hospital.
O trânsito estava tranquilo, eu não tinha pressa. Minha mãe
nunca dirigiu. Tentou uma vez. Na primeira saída sem o instrutor da autoescola,
bateu o Opala num poste. Era domingo de manhã, eu estava junto, não consegui negar
seu pedido que a acompanhasse.
Tinha uma saúde já fraca, acho que já disse: muitos
medicamentos, sempre em médicos para aplacar a solidão, exames, um ciclo. Não
estava totalmente desligada, mas já a algumas semanas dizia que não estava em
casa. Que a tínhamos levado para outra casa, não sei o que imaginava, se uma
casa geriátrica ou outro tipo de casa. Eu não dava corda nem contestava, mas
chamava atenção para seus móveis, seus quadros, fotos. Após examinar o ambiente
por algum tempo, ela dizia: tudo igual, vocês trouxeram tudo, e sorria
agradecida. Não reclamava da nova casa.
Morava na Cristiano Fischer. Teve um sábado, conversávamos
sobre coisas passadas, pedia que me contasse isso e aquilo sobre seu tempo, a
levei até a janela de seu quarto. Embaixo, a Cristiano Fischer. Ela olhou,
curiosa ou espantada, sei lá, trânsito nas duas pistas, em frente o salão de
beleza que muito frequentou. Eu pensei “e agora Da. Gladys?”.
Se virou, me olhava absolutamente admirada e lascou “Eu não
entendo! Até a Cristiano vocês trouxeram!”
Já estou chegando na garagem, se concluíssem essa garagem o
Hospital iria arrecadar mais.
Oitavo andar, o corredor longo nos prepara para a UTI. E se
ela tiver reagido? As velhinhas as vezes surpreendem. Tocar a campainha e esperar.
Vem um rapaz, me identifico. Ele pede que eu espere uns
minutos. A enfermeira-chefe do novo turno já virá me atender.
Num pequeno ambiente de espera, eu sento, sete e quarenta e
cinco no celular. Deveria ligar para todos irmãos?
Alguém se aproxima, abre a porta. Deve ser a
enfermeira-chefe.
— Sr. Miguel?
Nenhum comentário:
Postar um comentário