Antes mesmo de sair de Porto
Alegre, já aceitara o convite de Paulo Vaz para um dia em Sintra. Afinal, foi
ele que insistiu e me motivou a finalizar a viagem por Lisboa e assistir ao curso
de escrita criativa, ministrado pela jornalista e escritora Filipa Melo (“Este
é o meu corpo”), sob a coordenação técnica da Profa. Teolinda Gersão. Durante
três dias inteiros (de terça a quinta) estarei imerso nessa atividade, que terá
lugar num dos tantos espaços de coworking
existentes em Lisboa.
Nos encontramos no hotel e desde logo me tranquilizou que não desvendaríamos os mistérios da estrada de Sintra — pelo menos aqueles de Eça de Queirós —, mas teríamos um ótimo dia. Isso também nos assegurou o sol, que antes das oito da manhã, já reinava sobre o fundo celeste sem uma sequer nuvem, nem parada, nem correndo à procura de sua casa. Não tive dúvidas que o dia seria maravilhoso, pois Paulo Vaz, renomado artista plástico, é um amante de Lisboa, por ele chamada A Cidade de Ulisses. O conheci através de Teolinda Gersão, na época em que relutava e aceitar o fim de um amor único. Disse-me uma vez seu convencimento que as mulheres tendem a se desfazer de seus grandes amores imperfeitos, na busca do homem idealizado. E passam boa parte da vida fugindo de sua natureza humana, atrás da ideia de perfeição comprada das princesas e fadas, que muito lhes faz sofrer, quando não as deixam amargas até o fim. Embora dito num momento de dor recém aberta, é de se pensar sobre isso. Na época deixou Lisboa e foi-se para os Estados Unidos.
O trem, ou comboio, para Sintra
parte de Lisboa, de meia em meia hora, estação ferroviária do Rossio,
localizada no centro da cidade, a um passo de meu hotel. Pegamos o trem das 9h,
passagem de dois euros e pouco, percurso de quarenta minutos, com várias paragens.
Me sobressaltei quando o trem
reduzia na estação de Mercês, a dez-quinze
minutos do destino e vi uma placa indicando “Fábrica de Cerâmica
Portuguesa – antiga Olaria de Cipriano Algor
– Estatuetas e ladrilhos”. Ou algo assim, a 2500 m. Pulei do banco e
convidei meu amigo para saltar do comboio e explorar aquele lugar. Ele próprio
nunca tinha estado ali, mas sabia da existência dessa Olaria, pois era o
principal produtor dos famosos galos de Barcelos e de canecas para turistas, e
também pratos e ladrilhos com números e letras que são comprados avidamente
pelos turistas que vão a Portugal. Eu mesmo já me encantara no aeroporto de
Lisboa admirando uma lojinha com essas coisas, atraído pelas canecas com
estampa de azulejos portugueses. Levarei algumas dessas para aprisionar estas
lembranças.
Em poucos minutos adentrávamos na
antiga Olaria, por uma lojinha aberta ao público encantadoramente atendida por
sua proprietária Marta, responsável pela criação. A meu lado deitou-se um cão
genérico, sentindo-se Achado. O marido Marçal nos deu um alô rapidamente, mas
depois de atender os fornos e estufas retornou. Cuidava da produção.
Retribuíram nosso interesse,
contando da origem, com seu pai Cipriano Algor, fabricando jarras e pratos de
barro, como o negócio emagreceu com a instalação do Centro Comercial, que
passou a vender produtos chineses, a tentativa de fazer estatuetas decorativas,
e a quase desistência, quando Cipriano e família deixaram tudo para trás e
partiram de suas terras, com o que cabia numa antiga furgoneta. Por sorte,
destino, ou chamem como queiram, após duas horas e cem quilômetros de viagem,
um pneu furado exigiu uma parada e permitiu uma reavaliação.
— Meu emotivo pai abraçou-me, e
disse que a dor de assistir-se preso talvez fosse mais forte que a dor da
prisão em si e quem não se ajusta não serve e ele tinha deixado de ajustar-se —
foram exatamente essas suas palavras. — Demos
meia volta e com uma ideia brilhante nos lábios e um sorriso de confiança em
mente, retornamos aos fornos, aos barros e cerâmicas. Fomos os primeiros e ainda
somos referência na produção dos famosos “galinhos de Barcelos” e canecas para
turistas.
Percebendo nosso crescente aprazimento
e empatia, Marta nos ofereceu um vinho rosado da região com alguns petiscos
deliciosos, insistindo para almoçarmos juntos. Muito prazeroso mesmo, mas, ao
contrário daquela família que soube abortar uma decisão e retornar, nós não nos
permitimos estender nossa agradável visita. O que me arrependo profundamente,
pois teríamos conhecido o Sr. Cipriano Algor e esposa, Dona Isaura Estudiosa.
Mas isso já daria outra história, digna do mito dA caverna.
Às duas da tarde chegamos a
Sintra, animados e famintos de um bacalhau as natas. Almoçamos no Restaurante
Alcobaça, acompanhados por um tinto Bairrada. Ao final Paulo me garantiu que o esse
vinho fora desenvolvido para harmonizar com o famoso leitão da Bairrada. Disse-me
também, por honesto, que talvez o vinho já existisse, e os temperos do leitão
foram adequados à uma perfeita harmonização com esse vinho. Prá mim, dá na
mesma, até porque o leitão terá que aguardar outra viagem.
E, como se não estivéssemos bastados,
pedimos um café com pastel de nata. Afinal, por perdido, perdido e meio.
Embora fosse de meu gosto, não
relatarei toda a conversa que tivemos durante o almoço e caminhada pelas
antigas ruelas de Sintra, pois muito tiveram de pessoais e filosóficas. Mas muito
me agradou saber que Paulo Vaz está de volta a Portugal tendo reencontrado sua
Cecília Branco.
Voltamos já noite, quase dez, e
me recolhi, pois amanhã inicia o curso. Se, nestes três dias, não tiver tempo
para postar, nos lemos na sexta. Até lá!
PS: deu no jornal da TV que há
uma crise no Brasil. Será? Ou são os alarmistas de plantão? E deu também que “Dilma
foi hostilizada na Festa do Peão de Barretos”. Por quem seria? Pelos bois? Não,
isso não! Quê motivos teriam?
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